OS SIGNOS ASTROLÓGICOS, por Fernando Pessoa

O Simbolismo Astrológico segundo seu livro Mar Portuguêz

universso

Em 1934, Fernando Pessoa publicou o único livro de sua carreira, Mensagem, para enviar a um concurso de poesias sobre Portugal. O livro é totalmente simbólico e em sua própria introdução Pessoa pede que o interpretemos como símbolo. É fato público e notório que Fernando Pessoa era astrólogo. Seus escritos astrológicos mais antigos são de 1908, quando o poeta tinha 20 anos. Por toda sua vida ele se utilizou da Astrologia, chegando inclusive a fazer as cartas astrológicas de seus heterônimos e a escrever um tratado sobre o assunto, em 1916, sob o heterônimo de Raphael Baldaya.

Além disso, Pessoa foi templário, maçon, teosofista e outros. Em sua biblioteca, além dos grandes filósofos encontramos obras de Blavatsky, Leadbeater, Krishnamurti, Mabel Collins, Alan Leo, Manly Palmer Hall e Rudolf Steiner. Pessoa inclusive traduziu ‘A Voz do Silêncio” e “Luz no Caminho”. Tudo isso leva a crer que conhecia e trabalhava com astrologia transpessoal. A segunda parte de Mensagem, chamada Mar Portuguêz, é composta de doze poemas que têm uma notável relação com os 12 signos.

Mar Portuguêz – Fernando Pessoa
ÁRIES

I. O INFANTE

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,

E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.

Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!

Áries é o primeiro signo do zodíaco, e Pessoa o relaciona neste poema com o Infante, o jovem. Também é o signo do impulso criador, o impulso para geração das coisas.

“Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.” A partir da vontade de Deus, sem a qual nada aconteceria, do Primeiro Raio, que é o raio de Áries, a iniciativa é colocada na cabeça do homem, e através do uso dessa condição mental chegamos à concretização. O lema transpessoal de Áries é: “Eu surjo, e do plano da mente, governo”. É o próprio uso do sonho do homem.

Áries é o impulso que fecunda, seu regente Marte também rege o esperma, o princípio masculino, ativo, da existência. “Sagrou-te e foste desvendando a espuma” .

E assim surgiu a terra, o próprio ser, a alma, em “Mensagem” simbolizada por Portugal. E como todo signo cardinal, Áries tem a iniciativa, mas falta a persistência e experiência para que o propósito da Alma se cumpra: “Senhor, falta cumprir-se Portugal!”
Mar Portuguêz – Fernando Pessoa
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TOURO

II. HORIZONTE

O mar anterior a nós, teus medos
Tinham coral e praias e arvoredos.
Desvendadas a noite e a cerração,
As tormentas passadas e o mistério,

Abria em flor o Longe, e o Sul sidério
‘Splendia sobre as naus da iniciação.
Linha severa da longínqua costa–
Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta

Em árvores onde o Longe nada tinha;
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, há aves, flores,
Onde era só, de longe a abstracta linha

O sonho é ver as formas invisíveis
Da distância imprecisa, e, com sensíveis
Movimentos da esp’rança e da vontade,
Buscar na linha fria do horizonte

A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte –
Os beijos merecidos da Verdade.

Touro é um signo de Terra, o signo do plantio, da realidade material, da busca do concreto. “E no desembarcar, há aves, flores, / Onde era só, de longe a abstracta linha”. Também é um signo de Quarto Raio, o raio da busca da harmonia através dos pares de opostos. De um lado o mar, de outro a terra.

A partir da fecundação em Áries, a Alma parte para o concreto, para a busca da realização.

Touro também está ligado à abertura de uma visão superior das coisas, seu lema transpessoal é “Eu vejo, e quando o olho está aberto, tudo é luz.” “O sonho é ver formas invisíveis” mostra a Alma buscando essa visão superior das coisas, com “Movimentos da esprança e da vontade”. Touro é regido na astrologia comum por Vênus, neste caso simbolizando a esperança, a busca pelo conforto da terra e, na astrologia transpessoal por Vulcano, planeta de Primeiro Raio, o raio da vontade.

E o poeta termina ainda com essa busca da visão superior do Touro: “Os beijos merecidos da Verdade”.

Mar Portuguêz – Fernando Pessoa

GÊMEOS

III. PADRÃO

O esforço é grande e o homem é pequeno.
Eu, Diogo Cão, navegador, deixei
Este padrão ao pé do areal moreno
E para diante naveguei.

A alma é divina e a obra é imperfeita.
Este padrão sinala ao vento e aos céus
Que, da obra ousada, é minha a parte feita:
O por-fazer é só com Deus.

E ao imenso e possível oceano
Ensinam estas Quinas, que aqui vês,
Que o mar com fim será grego ou romano:
O mar sem fim é português.

E a Cruz ao alto diz que o que me há na alma
E faz a febre em mim de navegar
Só encontrará de Deus na eterna calma
O porto sempre por achar.

Gêmeos é o signo onde a Alma aprende a explorar, a se relacionar. E esse relacionamento vai desde o mais profano até o mais sagrado. É o signo onde a personalidade aprende que tem Alma, que existe um componente sagrado em sua vida. “O esforço é grande e o homem é pequeno”. A personalidade percebe isso e isso a faz ir em frente.

O lema transpessoal de Gêmeos é: Eu reconheço meu outro Ego, e no declínio daquele ego eu cresço e brilho. “Eu, Diogo Cão, navegador, deixei / Este padrão ao pé do areal moreno / E para deante naveguei”. Ou “A alma é divina e a obra é imperfeita”.

Ainda mostra esse relacionamento do mais profano com o mais sagrado em todos os versos.

Gêmeos tem que viver diferentes experiências, não é ainda um signo do contato total com a Alma, é um signo da busca deste contato. E Pessoa termina com “O porto sempre por achar”.

Mar Portuguêz – Fernando Pessoa

CÂNCER

IV. O MOSTRENGO

O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
A roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,

E disse: “Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?”
E o homem do leme disse, tremendo:

“El-Rei D. João Segundo!”
“De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?”
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,

Três vezes rodou imundo e grosso.
“Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?”

E o homem do leme tremeu, e disse:
“El-Rei D. João Segundo!”
Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,

E disse no fim de tremer três vezes:
“Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme

E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!”

O signo de Câncer é o fim de um processo triplo, de formação do ser: em Áries é conquistada a mente, em Touro a emoção e em Gêmeos o corpo etérico, nossas emanações eletromagnéticas. E o ser está formado, e vai passar agora a enfrentar seus medos, e o difícil processo de se tornar um indivíduo.

A grande dica de que este poema se refere a Câncer se encontra no primeiro verso: “O mostrengo que está no fim do mar”. Podemos fazer uma analogia de “fim do mar” com “fundo do céu”, o lugar natural de câncer no zodíaco.

É em câncer que vamos enfrentar nossos medos ancestrais, que vamos finalmente iluminar os lugares escuros da mente. Por duas vezes a personalidade responde quem é sem o saber ao certo, e da terceira vez se identifica com o clã do qual faz parte: “Aqui ao leme sou mais do que eu: / Sou um povo que quere o mar que é teu;” .

E finalmente percebe que além de ser de um clã é um ser autônomo, que tem seu próprio poder:

“E mais que o mostrengo , que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!”

O lema transpessoal de Câncer é “Eu construo uma casa iluminada e nela habito.” É enfrentar os próprios medos e descobrir que se é responsável pela própria luz.

Mar Portuguêz – Fernando Pessoa

LEÃO

V. EPITÁFIO DE BARTOLOMEU DIAS

Jaz aqui, na pequena praia extrema,
O Capitão do Fim. Dobrado o Assombro,
O mar é o mesmo: já ninguém o tema!
Atlas, mostra alto o mundo no seu ombro.

Leão é o signo da individuação, e da primeira visão com uma real identificação com o outro. A personalidade já sabe que é única, e que com suas características únicas pode ajudar. Já sabe que faz parte da humanidade, que compete a ela carregar sua parte do mundo. Seu lema transpessoal é “Eu sou aquele e aquele sou eu”.

Este poema, o menos de Mar Portuguêz, mostra claramente esta individualização e o fim do egoísmo: “Jaz aqui, na pequena praia extrema, O Capitão do Fim”.

Mostra a mudança de fase na consciência individual em “Dobrado o Assombro, O mar é o mesmo: já ninguém o tema!”.

E finalmente, mostra que está pronto para o serviço: “Atlas, mostra alto o mundo no seu ombro.”.

Mar Portuguêz – Fernando Pessoa

VIRGEM

VI. OS COLOMBOS

Outros haverão de ter
O que houvermos de perder.
Outros poderão achar
O que, no nosso encontrar,

Foi achado, ou não achado,
Segundo o destino dado.
Mas o que a eles não toca
É a Magia que evoca

O Longe e faz dele história.
E por isso a sua glória
É justa auréola dada
Por uma luz emprestada.

Virgem é o signo do aprendizado da humildade, do reconhecimento do amor dentro do coração de cada um. Depois de Leão, a personalidade exercita o servir ao outro.

Neste sentido, todo do poema, onde Pessoa leva a crer que a descoberta da América pelos espanhóis foi conseguida com a luz emprestada dos portugueses (o que é verdade, já que foi Portugal que desenvolveu a tecnologia adequada e Colombo tinha as informações de Bartolomeu Dias), é colocada de forma humilde e sem maiores pretensões. E esta é a lição de Virgem.

Seu lema transpessoal é: “Eu sou a Mãe e o Filho. Eu, Deus, Eu matéria sou.”, simbolizando o Divino que existe em cada criatura de Deus.

Mar Portuguêz – Fernando Pessoa

LIBRA

VII. OCIDENTE

Com duas mãos –o Acto e o Destino–
Desvendámos. No mesmo gesto, ao céu
Uma ergue o fecho trémulo e divino
E a outra afasta o véu.

Fosse a hora que haver ou a que havia
A mão que ao Ocidente o véu rasgou,
Foi a alma a Ciência e corpo a Ousadia
Da mão que desvendou.

Fosse Acaso, ou Vontade, ou Temporal
A mão que ergueu o facho que luziu,
Foi Deus a alma e o corpo Portugal
Da mão que o conduziu.

Libra é o signo dos pares de opostos, do equilíbrio de forças. Seu lema transpessoal é : “Eu escolho o caminho que conduz entre as duas grandes linhas de força.”.

O simbolismo libriano neste poema começa pelo título, pois a posição relativa de Libra no zodíaco é oeste, o ocidente.

Depois temos em todo o poema a dualidade, o positivo e o negativo, o ativo e o passivo, yin e yang, divino e profano: “Com duas mãos – o Ato e o Destino – / Foi a Alma a Ciência e corpo a Ousadia”

Os versos acima também se referem à ousadia e à tecnologia de Urano, que rege Libra a nível transpessoal, e à Vênus Urânia, regente comum do signo.

E termina, reconhecendo que qualquer feito precisa de personalidade e Alma para ser executado: “Foi Deus a alma e o corpo Portugal / Da mão que o conduziu.”

Mar Portuguêz – Fernando Pessoa

ESCORPIÃO

VIII. FERNÃO DE MAGALHÃES

No vale clareia uma fogueira.

Uma dança sacode a terra inteira.

E sombras desformes e descompostas

Em clarões negros do vale vão

Subitamente pelas encostas,

Indo perder-se na escuridão.

De quem é a dança que a noite aterra?

São os Titãs, os filhos da Terra,

Que dançam na morte do marinheiro

Que quis cingir o materno vulto –

Cingi-lo, dos homens, o primeiro–,

Na praia ao longe por fim sepulto.

Dançam, nem sabem que a alma ousada

Do morto ainda comanda a armada,

Pulso sem corpo ao leme a guiar

As naus no resto do fim do espaço:

Que até ausente soube cercar

A terra inteira com seu abraço.

Violou a Terra. Mas eles não

O sabem, e dançam na solidão;

E sombras desformes e descompostas,

Indo perder-se nos horizontes,

Galgam do vale pelas encostas

Dos mudos montes.

Escorpião é o signo em que a pessoa se torna um discípulo, ou seja, alguém que está conscientemente ajudando na evolução da humanidade. E para fazer isso, ele tem que testar seu poder: ir o mais longe possível dentro de si mesmo, encarar todas as suas misérias para poder morrer e renascer como uma Fênix, plenamente consciente de quem é e o quanto vale.

O lema transpessoal de Escorpião é “Guerreiro eu sou, e da batalha emerjo triunfante”. É a luta que vai trazer resultados, mesmo que a pessoa morra.

E este poema, contanto a história de Fernão de Magalhães, é exatamente isso: Fernão de Magalhães foi mais longe do que qualquer outro homem de sua época, e mesmo tendo morrido no meio do caminho, até hoje é conhecido como o primeiro a dar a volta ao mundo.

Mar Portuguêz – Fernando Pessoa

SAGITÁRIO

IX. ASCENSÃO DE VASCO DA GAMA

Os Deuses da tormenta e os gigantes da terra

Suspendem de repente o ódio da sua guerra

E pasmam. Pelo vale onde se ascende aos céus

Surge um silêncio, e vai, da névoa ondeando os véus,

Primeiro um movimento e depois um assombro.

Ladeiam-no, ao durar, os medos, ombro a ombro,

E ao longe o rastro ruge em nuvens e clarões.

Em baixo, onde a terra é, o pastor gela, e a flauta

Cai-lhe, e em êxtase vê, à luz de mil trovões,

O céu abrir o abismo à alma do Argonauta.

Sagitário é o signo do primeiro contato com o Divino. O discípulo venceu seus medos em Escorpião, e agora precisa aprender concentração. É o terceiro signo de fogo, o fogo em brasas, e por isso mesmo o mais duradouro. É onde o fogo da atração espiritual efetivamente dá resultados.

Neste poema Pessoa fala justamente sobre isso: sobre a calmaria que vem após a batalha em Escorpião, e que dá ao discípulo a chance de “ver a face de Deus.”

Mar Portuguêz – Fernando Pessoa

CAPRICÓRNIO

X. MAR PORTUGUÊS

Ó mar salgado, quanto do teu sal

São lágrimas de Portugal!

Por te cruzarmos, quantas mães choraram,

Quantos filhos em vão rezaram!

Quantas noivas ficaram por casar

Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena

Se a alma não é pequena.

Quem quere passar além do Bojador

Tem que passar além da dor.

Deus ao mar o perigo e o abismo deu,

Mas nele é que espelhou o céu.

Chegamos agora a Capricórnio, o signo da Iniciação. Este poema, que sugestivamente tem o mesmo nome de toda a segunda parte, retrata todo o esforço feito pelo discípulo em busca da iniciação.

O lema transpessoal de Capricórnio é “Perdido estou na luz divina, contudo naquela luz volto minhas costas.”, simbolizando a cabra que sobe a montanha, chega ao pico, e então volta para encontrar os amigos que ficaram no caminho e ajudá-los a também alcançar o cume.

Mostra o preço e as dores envoltas na conquista de si mesmo, mas “Tudo vale a pena / Se a alma não é pequena.”

E termina mostrando a própria ultrapassagem da personalidade: “Quem quere passar além do Bojador / Tem que passar além da dor. / Deus ao mar o perigo e o abismo deu, / Mas nele é que espelhou o céu.”

Mar Portuguêz – Fernando Pessoa

AQUÁRIO

XI. A ÚLTIMA NAU

Levando a bordo El-Rei D. Sebastião,

E erguendo, como um nome, alto o pendão

Do Império,

Foi-se a última nau, ao sol aziago

Erma, e entre choros de ânsia e de presago

Mistério.

Não voltou mais. A que ilha indescoberta

Aportou? Voltará da sorte incerta

Que teve?

Deus guarda o corpo e a forma do futuro,

Mas Sua luz projecta-o, sonho escuro

E breve.

Ah, quanto mais ao povo a alma falta,

Mais a minha alma atlântica se exalta

E entorna,

E em mim, num mar que não tem tempo ou ‘spaço,

Vejo entre a cerração teu vulto baço

Que torna.

Não sei a hora, mas sei que há a hora,

Demore-a Deus, chame-lhe a alma embora

Mistério.

Surges ao sol em mim, e a névoa finda:

A mesma, e trazes o pendão ainda

Do Império.

Em Aquário temos o impessoal: o ser já se tornou um Iniciado, e portando vai servir ao mundo com liberdade, igualdade e fraternidade, porém de forma impessoal, diferente de Virgem, onde este serviço é feito de maneira extremamente pessoal.

Esse poema simboliza exatamente a perda da pessoalidade em Aquário. Começa falando do “sol aziago”. O Sol, por ser o regente de Leão, está em exílio em Aquário.

Aquário é o aguadeiro, o servidor impessoal. Seu lema transpessoal é “Água da Vida eu sou, derramada para os homens sedentos”. E é precisamente isso que o poeta fala na Segunda estrofe: “Ah, quanto mais ao povo a alma falta, / Mais a minha alma atlântica se exalta / E entorna,”

O exílio de D. Sebastião no poema simboliza a perda da individualidade, que depois volta renovada e pronta para o serviço: “Não sei a hora, mas sei que há a hora, / Demore-a Deus, chame-lhe a alma embora / Mistério. / Surges ao sol em mim, e a névoa finda: / A mesma, e trazes o pendão ainda / Do Império.”

Mar Portuguêz – Fernando Pessoa

PEIXES

XII. PRECE

Senhor, a noite veio e a alma é vil.

Tanta foi a tormenta e a vontade!

Restam-nos hoje, no silêncio hostil,

O mar universal e a saudade.

Mas a chama, que a vida em nós criou,

Se ainda há vida ainda não é finda.

O frio morto em cinzas a ocultou:

A mão do vento pode erguê-la ainda.

Dá o sopro, a aragem –ou desgraça ou ânsia–

Com que a chama do esforço se remoça,

E outra vez conquistaremos a Distância –

Do mar ou outra, mas que seja nossa!

Peixes é o signo da transcendência, da união com Deus, do salvador do mundo. E para ilustrar essa transcendência de tempo e espaço, Pessoa usa em cada quadra do poema um tempo:

A primeira está no passado, simbolizando tudo o que foi sofrido para se chegar até aqui.

A segunda está no presente, e mostra que a chama está lá , que foi atingida e o iniciado está pronto para um novo ciclo.

E a terceira está no futuro, mostrando esse novo começo, este novo Áries que virá.

O lema transpessoal de Peixes é “Eu deixo o lar do meu pai e dando as costas eu salvo.” Pessoa escreve: “E outra vez conquistaremos a Distância — /Do mar ou outra, mas que seja nossa!” justamente simbolizando este retorno, com maior experiência, para reviver o ciclo em outro nível.


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